SOU (O QUE RESTA DE MIM)

O tempo que já não é o meu, no lugar a que já não pertenço, porque daqui nem de agora eu sou... porque há muito que não existo, que não vivo, que não sou pessoa... No fundo, porque sou o que já não existe em mim, neste ser que há tanto que deixou de o ser, que pessoa pude deixar de chamar, mas apenas pedaço daquilo que tal pessoa foi um dia e que já não existe mais.

Destruir o que era sentimento em mim, desfiz o que fosse sentir, aniquilei qualquer emoção que ainda pudesse nutrir, esfriei o coração, tornando-o quase um sepulcro com paredes frias de saudade, caiadas em tons de tristeza e agonia, erguendo-se até um tecto de solidão em que se afogaram o amor e a paixão, em enxurradas de desilusão!

Sou o silêncio que amordaçou toda e qualquer palavra que de meus lábios pudesse sair, esventrando, assim, todo o pensamento que pudesse querer libertar-se das amarras da mente que me foi matando, consumindo, desfazendo, reprimindo e sufocando, como se me afogasse no mar negro em que me fui tornando por dentro, reflexo impuro de tudo aquilo que há muito fui, e que jamais voltarei, e poderei, ser!

Sou sombra, estilhaço de vida que se esgota a cada novo dia, sem que o último chegue rapidamente para que, por fim, posssa acordar, libertar-me daquilo em que acabou por se tornar este amontoado de ossos e carne... porque deixei desfazer em mim toda a esperança, todo o sonho que pudesse ainda tornar-se real, permitindo que nada mais que um pesadelo se fosse tornando a existência, penosa, dos dias que passam, das noites que atormentam, nos instantes que matam mais um pouco... sem matarem de vez...

...

Sou o que resta de mim... o que quiser ainda ser, despedaçando cada resto do que fui... esmagando cada resquício do que não quero ser nos momentos que me restarem... acordando, mesmo que aos poucos para a realidade que ainda me sobrar se ainda for tempo para a poder saborear... porque, no fundo, sou o que ainda poderei ser, se assim o quiser!


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